Por que José Saramago em seu livro "Ensaio sobre a Cegueira" deixou de fora a “Mulher do Médico” ao resolver cegar os habitantes de uma cidade fictícia?
Quis ele incorporar a personagem, e através dos seus olhos, ajudarem o leitor a analisar as facetas do comportamento humano durante uma crise epidêmica, ou mostrar para o leitor, desde o início do texto, que vale mais “reparar” do que simplesmente “ver”?
A história da chamada “Cegueira Branca” que se espalhou por uma cidade atemporal, registra as atitudes para a sobrevivência física, da compostura, e da espiritualidade do homem, quando submetido a uma epidemia.
Quem ainda enxergava se comportava com autoridade para decidir o que fazer com os cegos. Logo todos passaram a ficar na idêntica situação, exceto a “Mulher do Médico”, que se manteve, sem explicação, até o fim da história podendo ver.
Segundo o próprio autor, ele sofreu para escrever o texto e quis que o leitor também participasse do sofrimento ao lê-lo.
Sem dúvida, quem teve o prazer de ler o texto passa pela experiência do sofrimento maduro da reflexão sobre a humanidade, ao ver-se favorável e contra comportamentos de sobrevivência, mascarados pela hipocrisia social. Os limites entre a sobrevivência e barbaridade, e os entre o instinto do progresso e o da autodestruição, são ultrapassados a todo o momento.
Saramago acerta em cheio na ferida. Quem ler “Ensaio sobre a Cegueira” não será mais o mesmo. No mínimo, passa a “reparar” tudo o que “ver” tentando humanizar-se.
A sutileza entre o “olhar” e o “ver” permeia a visão física remetendo-a para uma, mais atenciosa, a de "reparar" que pode ser observada mesmo na cegueira.
A exclusão social, a relação com o poder, a crítica às autoridades, as alternativas para a sobrevivência, a experiência adquirida na velhice retratada no personagem do “Velho da Venda Preta”, são observados no texto.
Porém um fato sutilmente relevante não deixou de ser registrado: O personagem “Escritor” que mesmo sem “ver” registrava no papel tudo o que “reparava”, esperando que um dia alguém soubessse o ocorrido, perpetuando a memória para ajudar na formação de consciência coletiva.
Diz Saramago: “Dentro de nós há uma coisa que não tem nome, esta coisa é o que somos”.
Que bom é saber ler para tentar reparar este importante escritor!
quarta-feira, 12 de março de 2008
A Mulher do Médico
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário